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Foto do escritorAristides Barros

ESPECIAL 8 DE MARÇO - MULHER ESCANCARA A VERDADE SOBRE APARTAMENTOS NO J. RAFAEL

Atualizado: 17 de mar. de 2020

Autônoma fala do tema que é visto como trunfo a grupos políticos que veem o sonho da casa própria como uma fonte de votos


Aristides Barros




A obra não vai parar e continua depois das eleições municipais deste ano, independente de quem ganhar o pleito em Bertioga. Quando os apartamentos estiverem prontos serão entregues para quem se inscreveu no programa, e espera por isso há quase seis anos. As pessoas não podem ir na conversa de gente que transforma a necessidade da casa própria em moeda de troca, e usa isso para ter o povo nas mãos visando dividendos políticos.


A convicção seguida da advertência é da autônoma, Leidenéia dos Santos Pinheiro, 39 anos, que em 2019, conseguiu junto a órgãos federais informações precisas sobre a construção do Residencial Caminho das Árvores, no Jardim Rafael - pelo Programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal - cuja previsão é de 1.500 unidades.


Os motivos de ela ter pedido informações sobre o projeto aos “federais” se deram em função da longa espera pelo início da obra, embalada pela sequência de reportagens na imprensa da cidade abordando o assunto, sem, no entanto, apurar com exatidão as razões do atraso do serviço, como fez a autônoma.


A construção das moradias começou só agora em 2020, com um atraso de quase seis anos, sendo que a obra foi anunciada em 2014, durante a administração do ex-prefeito Mauro Orlandini. Conforme noticiado à época da assinatura do contrato, a prefeitura bertioguense teria recebido investimentos de R$ 144 milhões.


O ponto crucial que fez Leidenéia ir até a União foi uma manifestação popular realizada em dezembro de 2018, com manifestantes denunciando “o suposto sumiço da verba federal destinada ao projeto habitacional”. Inscrita no programa e temerosa de ver naufragar o seu sonho da casa própria, ela juntou reportagens e vídeos registrados durante ato e os encaminhou à Brasília.


Em um dos vídeos, manifestantes - em sua maioria mulheres - exibem cartazes indagando “onde está os R$ 11 milhões entregues para as entidades (Ongs), responsáveis pela inscrição dos moradores. No mesmo vídeo e presente na manifestação, a vereadora bertioguense Valéria Bento (PMDB) solta a frase: “Se fosse só doze milhões estava bom, são cento e quarenta e quatro milhões”.


Antes de enviar a denúncia a setores do governo federal, a autônoma expôs a situação no Fórum de Bertioga ao MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo), que questionou a Secretaria de Habitação de Bertioga sobre o caso.


Ela também contatou a CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), empresa vinculada à Secretaria Estadual de Habitação, e a secretaria - por meio de sua Ouvidoria - destacou que por se tratar de um projeto do governo federal “seria a União que deveria apurar o assunto”.


MOVIMENTO - Em Brasília, a denúncia chegou à Ouvidoria-Geral da União, ligada à CGU (Controladoria-Geral da União) e MPF (Ministério Público Federal). Os “federais” passaram a indagar os responsáveis diretos e indiretos pela execução do projeto habitacional em Bertioga.


CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), CEF (Caixa Econômica Federal), Associação Pró-Moradia de Suzano, Secretaria Municipal de Obras e Habitação de Bertioga e Qualyfast Construtora Ltda. Cada qual, no que se refere a responsabilidade deles, tiveram de explicar ao MPF os motivos do longo atraso da obra. E todos eles explicaram justificando demora “a forte burocracia que envolve o projeto”.


Dadas as explicações, e não sendo constatado nenhum indício de irregularidades como o “suposto sumiço do dinheiro da obra” a denúncia foi arquivada. No entanto, a Procuradoria da República assinalou que "pode desarquivar o processo se for noticiadas novas irregularidades".


Resumindo, o MPF continua de olho no caso, que ganhou movimento depois que a autônoma decidiu “ir a fundo na questão”, o que resultou no início da construção dos apartamentos.

"Até onde acompanhei não houve nenhuma intervenção de políticos para o projeto ‘andar’. A única intervenção foi do MPF após a minha denúncia. Os poucos políticos que se manifestaram sobre o programa informaram que o dinheiro tinha desaparecido, ou seja, enganaram a todos", esclarece a mulher.


“O trabalho começou agora em 2020, três torres já foram erguidas. Fui adiante com a denúncia porque faço parte das centenas de pessoas que esperam por esses apartamentos, Sinto na pele o que elas sentem e vivo a mesma agonia causada por essa espera demorada de ter o meu teto. Acredito que minha iniciativa motivou o início dessa obra, que demorou mais de cinco anos para começar”, sustenta Leidenéia.


PROJETO - O recurso para a construção de 1.500 unidades, no valor de R$ 170 milhões, é proveniente do programa Minha Casa Minha Vida. Os apartamentos contarão com dois quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. O empreendimento é composto por 75 blocos de edifícios, de cinco pavimentos cada. Serão cinco condomínios, com 15 blocos em cada um, e terão vagas de estacionamento privativas e para visitantes, área comum com salão de festas e playground.


As unidades atenderão famílias com renda entre zero e três salários mínimos e a seleção dos beneficiados segue critérios que priorizam famílias em áreas de risco ou insalubres, que tenham sido desabrigadas, famílias com mulheres responsáveis pela sustento da casa ou famílias que tenham pessoas com deficiência. As famílias estão cadastradas desde 2014, época do lançamento do projeto.


ELA DIZ QUE NÃO TEM PRETENSÕES POLÍTICAS, TEM SEDE DE JUSTIÇA



Leidenéia é natural de Brejões, na Bahia, e mora em Bertioga há 10 anos. Ela supõe que a denúncia feita aos órgãos federais despertou o ódio de “gente do poder” contra a sua pessoa, razão pela qual se sente discriminada na cidade. “Não consigo arrumar emprego”, afirma. “Por isso, parti para a informalidade”. completa.


Formada em Direito pela Unaerp, em Guarujá, a autônoma acredita que em breve já possa estar defendendo oficialmente causas nos tribunais. “Ainda preciso passar pelo exame da OAB”, explica, acrescentando que quer ser advogada criminalista, o que expressou na apresentação de seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) na faculdade.


“Abordei o feminicídio”. Destaca-se que a exposição do tema que é constante nos noticiários do país se justifica pelo fato da autônoma ter sentido na pele a violência doméstica. “Infelizmente vivi essa situação e felizmente sobrevivi a ela. Por isso, ficou mais fácil falar do assunto com conhecimento de causa”, disse.


Jeito, gestos e voz de pessoas determinadas, a baiana revela grandeza moral e de caráter muito superior a seu 1.56 de altura, e o peso de suas ações são bem mais proporcionais que os seus 55 quilos.


Leidenéia é um fardo aos que complicam situações de simples solução. Indagada se tem pretensões políticas, a bacharela em direito é enfática. "Não, só quero começar e seguir a carreira na profissão de advogada, que escolhi porque tenho sede de justiça".


Ao encampar a luta solitária de sua causa, ela, indiretamente, ajudou centenas de pessoas que ainda vivem esse longo pesadelo dentro do sonho de ter a casa própria. “As pessoas não podem ser usadas por gente que amarra as esperanças delas em um projeto político pessoal”, finaliza a mulher, demonstrando força de pensamento em um dia especial: 8 de março.

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